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permanecem inconscientes e latentes, dando margem, então, apenas às expressões de amor e afeto para com o objeto. É no momento da perda, sentida como catastrófica para o sujeito, que se torna evidente a presença dos sentimentos mais hostis implicados nessa relação. A ambivalência dos sentimentos é outra marca fundamental da melancolia, e encontra-se aí a base explicativa para as autoacusações do melancólico, bem como os sentimentos de culpa inerentes a esse processo. Se o amor pelo objeto um amor que não pode ser renunciado, embora o próprio objeto o seja se refugiar na identificação narcisista, então o ódio entra em ação nesse objeto substitutivo, dele abusando, degradando-o, fazendo-o sofrer e tirando satisfação sádica de seu sofri- mento. A autotortura na melancolia, sem dúvida agradável, significa, do mesmo modo que o fenômeno correspondente na neurose obsessiva, uma satisfação das tendências do sadismo e do ódio relacionadas a um objeto, que retornaram ao próprio eu do indivíduo [...]. Via de regra, em ambas as desordens, os pacientes ainda conseguem, pelo caminho indireto da autopunição, vingar-se do objeto original e torturar o ente amado através de sua doença, à qual recorrem a fim de evitar a neces- sidade de expressar abertamente sua hostilidade para com ele. (idem, p.284 grifo nosso) Essa passagem do texto permite-nos perceber a síntese de todo o processo melancólico, bem como a maneira pela qual Freud o compreendeu. Ou seja, diante da perda, as catexias ligadas ao objeto regridem ao registro do narcisismo, implicando em toda dialética afetiva ambivalente (ambivalência) para com aquele, assim como para com o próprio ego identificado com o objeto perdido. Chamemos a atenção para a passagem destacada: um amor que não pode ser renunciado (este amor que nesse processo refugia-se A DEPRESSÃO COMO MAL-ESTAR CONTEMPORÂNEO 73 na identificação narcisista). Podemos compreender a dependência do sujeito com relação ao objeto (fálico) imaginário. O que se trata, de fato, é da incapacidade do sujeito em renunciar a esse amor ideali- zado, relação esta que, como constituída sob as égides do narcisismo, compõe para o indivíduo a garantia de um espaço subjetivo de gozo. Como característica dos vínculos narcísicos, a relação com o objeto não tolera, nem permite de bom grado, que se evidenciem subjetiva- mente as dimensões de alteridade entre o eu e o outro, fato este que se torna claramente evidente quando o objeto já não acena ao encontro do desejo do sujeito. Nesse caso, entra em ação a prevalência dos sen- timentos ambivalentes (amor/ódio) com relação ao objeto perdido e, posteriormente, ao próprio ego. Essa relação narcísica, baseada em um imaginário de completude, evidencia a máxima postulada por Lacan (1958 [1957]; 1999) sobre o estatuto do desejo, a saber, que o desejo é o desejo do outro ou ainda mais primariamente, em um tempo anterior à castração simbólica (momento em que a criança faz suas demandas ao outro materno) o desejo viabiliza-se em puramente desejar o desejo do outro , em suma, desejo de desejo. Por fim amamos o próprio desejo, e não o desejado (Nietzsche, 2005, p.72). Para uma melhor compreensão disto a que nos referimos aqui, podemos considerar que o sujeito melancólico deseja o desejo do outro (objeto), assim como o pequeno infante em sua relação com o grande outro (a mãe) momento da vida plenamente caracterizado pelo narcisismo, em que o sujeito se faz falo para essa mãe , ao passo que em sua vida posterior, quando um determinado objeto (de desejo) já não lhe acena mais, o processo patológico da melancolia entra em jogo, emergindo os sentimentos ambivalentes e a culpa com relação ao objeto perdido e ao próprio ego que se vislumbra indigno de qualquer valor. Como enfatizamos anteriormente, esse amor que não pode ser renunciado , como nos explica Freud, evidencia em última instância (ademais os outros fatores não menos importantes) a recusa em subje- tivar/reconhecer a castração, ou ainda a própria defesa contra a angústia da castração que já ocorreu e é precondição para a possibilidade de desejar enquanto seres faltantes e incompletos que somos. 74 LEANDRO ANSELMO TODESQUI TAVARES Depressão e psicanálise Psíquico assim pode-se nomear o vazio poderia significar aqui a hipótese do isola- mento, da privação sensorial como medida de conservação de si, em estado de perigo. A depressão clinicamente pode ser por aí reconhecida, desde que não pressionemos o paciente para sair dela. Pois, na verdade, ele não tem que sair dela (Pierre Fédida) No tópico anterior ( Luto e melancolia ) nos dedicamos a res- gatar o legado freudiano no que se refere à questão da melancolia, a fim de delimitarmos um parâmetro de ordem psicopatológica no que diz respeito ao problema das depressões e/ou da melancolia. Como expusemos anteriormente, a melancolia strictu sensu evidencia um processo patológico na medida em que a dinâmica e o funcionamento melancólico consomem o ego do indivíduo, envolvendo-o em um processo cíclico de vivência do mal-estar , em uma situação em que o sujeito torna-se incapaz de elaborar a situação de perda o que, caso ocorresse, concluiria um processo o qual poderíamos identificar como sendo um trabalho de luto . Com relação às depressões nos tempos atuais, em que qualquer manifestação de dor e sofrimento é diagnosticada necessariamente como depressão , podemos observar uma verdadeira patologização de qualquer indício de mal-estar , bem como um ideal espetacular de saúde subjacente a tal prática, que obedece, por sua vez, à mesma lógica de nossa atualidade pós-moderna, consumista e espetacular. Por conta disso, cabe-nos a tarefa de lançar uma luz ao fenômeno da depressão, o qual será entendido mediante a compreensão psicanalítica acerca da questão. Em um primeiro momento, ao nos depararmos com um indivíduo depressivo, especialmente no âmbito clínico, a sensação que temos é que a tarefa analítica mostra-se infrutífera diante do silêncio e do desejo vacilante típicos nessas situações. A fala sucinta do sujeito, A DEPRESSÃO COMO MAL-ESTAR CONTEMPORÂNEO 75 somada ao excesso de interioridade, expressando pouca abertura ao diálogo e à possibilidade de saber-de-si, evidencia, para nós, um indivíduo identificado com o rótulo da depressão e que obtém, evi- dentemente, determinado gozo e satisfações secundárias por meio de seu mal-estar . Ao contrário do que a ideologia dominante (saberes e práticas) pressupõe sobre o problema das depressões um mal a ser extirpado emergencialmente do indivíduo, visando a recuperação que o tornaria novamente capaz de (a)parecer diante do mundo , nos é evidente que muitas vezes a mal-dita depressão refere-se antes a um tempo de subjetivação necessário para o sujeito que vivencia tal condição psicológica. Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar rir pra não chorar [...] Se alguém for lhe perguntar, digas que eu só vou voltar depois que eu me encontrar. (Cartola, 1976) Em nossa atualidade, cujos ideais socioculturais delineiam as categorias de valoração sobre o mundo de uma forma geral, qualquer atitude que não corresponda às expectativas espetaculares está sujeita a ser considerada como patológica. Assim, a incidência cada vez maior de diagnósticos de depressão revela a intolerância frente aos modos de subjetivação opostos aos ideais contemporâneos não pode haver tempo para a introspecção e a reflexão. O modo maciço com que a depressão se abate sobre o sujeito e a forma densa e compacta do ar deprimido contrastam com a expansão e o de-
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